terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Panetones de março

Não que fosse um emprego bom, mas eu gostava dele. Mesmo que não gostasse, teria que trabalhar. Quero esganar o puto que me disse que com faculdade se arranjava emprego bom. Fiquei 6 meses deitado no sofá com um diploma de jornalismo na mão e um terno esperando para ser usado. E ficaria por mais um bom tempo assim se não fosse uma ligação da minha mãe: "Filho, o dinheiro tá curto e acho que você não precisa mais. Boa sorte na sua nova vida. Deixaremos de depositar o dinheiro mês que vem, haha." Obviamente nunca fiz uma reserva na vida e tinha apenas mais um mês de dinheiro fácil.

Como todo bom vagabundo, fiz esse dinheiro se esticar por 3 meses até que resolvi levantar do sofá e procurar um emprego decente. Claro que todas as noites em claro e todos os dias dormindo pesaram na escolha, além de que trabalhos noturnos pagam adicional. Porteiro, região segura, horário: Madrugada. Excelente, era apenas temporário e seria bom a tranquilidade. Quanto tempo até arranjar um emprego? Até final de ano já arranjo algo na área, claro.

Fui escolhido por provavelmente ser o único candidato. Não durma no trabalho, fique atento pois sempre tem alguém querendo chegar. Madrugada? Pelo amor de Deus, isso nem parece verdade. Claro que temos as pessoas que voltam tarde, mas não deve ser como em outros turnos. É só não dormir, o que seria fácil e atender um ou outro puto meio bêbado chegando de uma festa. Tinha uma vagabunda que fez o mesmo curso que eu. Nunca nem me olhou na cara. E a piranha trabalhava na tv já.

O trabalho era calmo, monótono e tedioso. Mas eu gostava assim. Tive a brilhante idéia de, depois de me formar, ficar 1 mês sem fazer nada para poder descansar de tanto estudo. 1 mês sem fazer nada e você não quer voltar a rotina de antes. Talvez tenha cagado na minha vida pelos próximos anos. Ao chegar em novembro, já estava vivendo normalmente, única diferença é que  dormia de dia e acordava de noite para ir trabalhar e que estava estagnado num emprego. Combinei que trabalharia até 31 de dezembro e então seria mandado embora para começar a vida de jornalista. Tinha juntado um dinheirinho e poderia sobreviver uns meses. Preparei um bom currículo e esperei. Só mais uns dias... E então, o pior aconteceu: Os panetones. Todos os residentes do prédio queriam me dar "caixinha" para ajudar no fim de ano, o problema é que eles não queriam dar dinheiro, eles queriam dar o que sobra, panetone. Todo dia até meu último dia de trabalho eu ganhei panetone. E não era um só, eram vários. Geralmente das marcas mais baratas e raramente vinha um com chocolate, a maioria era das marcas ruins só com frutas cristalizadas. No começo não reclamei muito, afinal, eu até gosto de panetone e de ganhar comida de graça. O problema começou quando faltava 10 dias para o natal e eu tinha panetone até na sala. Oh, Deus, é muito panetone. Não que eu estivesse reclamando... Ao final do mês, eu tinha panetone até no armário do banheiro.

Como o prometido, fui mandado embora para ir atrás do meu sonho de ser âncora. Telefonei para todos os lugares possíveis, esperei, entreguei currículos onde pude e onde tinha vaga. Mas claro, o sol brilha para alguns poucos. Com o desespero batendo, resolvi apelar para algo que nunca quis, rádio. 1 mês depois dos currículos e algumas entrevistas, fui contratado por uma rádio de esportes para entrevistar alguns jogadores. Salário metade do que eu ganhava como porteiro e uma capa de chuva para quando chovesse. Cheguei feliz em casa pois seria um começo. Coloquei o terno e ele não servia mais. Mas está tudo ok, é só comprar outro. Ligo a tv e a vadia está lá entrevistando alguém. E eu aqui, comendo panetone em março, com um terno que não serve e uma capa de chuva do lado do sofá.

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